Comemoração do X Aniversário da falecimento do Mestre TETSUJI MURAKAMI.
Novembro 15 (1997)
Celebramos publicamente um Homem que pela sua personalidade e obra foi e é para nós o Mestre - O Mestre Murakami.
Pediram-me algumas palavras, o meu testemunho, o que poderia constituir um dever indeclinável. Mas tal não o sinto e embora honrado pelo convite, tenho à partida de dar a razão do meu estar aqui.
E a explicação é simples e linear:
- não cumpro um dever (embora seja respeitador de deveres e do seu cumprimento, retiro satisfação);
- estou aqui porque não podia deixar de estar, quando fazemos presente O Mestre;
- estou aqui porque não podia deixar de estar, quando tive a ventura de acompanhar o Mestre desde o início do seu
trabalho em Portugal:
* ora como principiante entusiasmado e profundamente tocado pela aura do Mestre,
* quer como praticante e responsável graduado, que no longo percurso dos anos, cresceu na sombra do Mestre ou
às vezes a seu lado , como aluno, como colaborador e amigo, não raras vezes confidente, algumas vezes seu
interlocutor dissidente.
Uma vida de exemplo, não pode ser diminuida pela seriação de factos, de cronologias, de distinções; essa seria a vida falsa, que se acaba, como dizia Fernando Pessoa, por se meter num caixão. A outra vida, a verdadeira, é aquela em que cada um é o que é - é a vida vivida.
Hoje sei que é com a Morte que se aprende a Vida.
Estou aqui porque fui favorecido no inimaginável do acaso, pela lição de vida que recebi.
- é essa que devo aos que atrás de mim vieram e a quem ma legou. Não posso ser ingrato, nem apropriar-me do que não me pertence, mas que é de todos nós.
Tetsuji Murakami era um homem com aura, que desde os primeiros momentos de contacto se impunha
- com a sua presença subtil mas forte,
- com a delicadeza, despida de maneirismos,
- pela simplicidade e serenidade confrontadas com a profundidade e agudeza do olhar,
- pela leveza do estar,
- pelo despreendimento natural num tom de elegância, afirmativo num todo de Harmonia e do seu ser em Paz,
- sem palavras, apenas olhando, impunha, nesse primeiro contacto, um sentimento de respeito, de distância, que a
curto prazo cediam passo a respeito e admiração.
Assim o senti há muitos anos atrás, aquando do primeiro estágio na Região Norte, no ano de 1971.
Então, ficava maravilhado com a magia da técnica, com os ensinamentos, com a exigência, conduzindo os alunos, mesmo os principiantes, como eu era, até objectivos não esperados, numa mistura de técnica e filosofia, abrindo o mundo inacessível de nós próprios.
Duro no treino físico, exigia rigor de execução técnica, lealdade nos ataques e defesas, concentração e domínio do corpo pela força da vontade, apelando a uma energia interior para todos nós até então desconhecida; hoje achamos caricato que outros a não sintam ou ignorem.
Num todo, o Mestre, soube viver a vida na extensão que lhe coube:
- na Filosofia e na Arte,
- na Amizade e no Amor,
- como Profissional, Técnico,
- como Líder, Gestor,
- como Homem,
- como Mestre.
E todas estas facetas se juntaram sem ressaltos, sem roturas, em harmonia, num homem de personalidade ímpar, com a simplicidade e a profundidade de um sabedor, com a força e a exigência de um lutador.
Como profissional constitui um exemplo de técnico exímio, perfeito
- em qualidade,
- em leveza,
- em mobilidade,
- em rigor,
- em serenidade e honestidade,
- em exigência,
- em EFICÁCIA.
Mas esta era a parte visível do espírito indisível, da alma do Homem.
A sua magia a sua Arte era essa.
Era a transmissão da força do espírito, desse inderterminável para além do corpo, que transcendia a técnica embora a abarcasse, semeando silêncio e encantamento em quem com ele aprendia e trabalhava ou simplesmente o observava.
Era a interrogação suspensa de tudo quanto nos rodeava, num desmoronar do material, numa descoberta de interioridade, de Paz.
E daqui se entende a sua dimensão como pedagogo, transmitindo em toda a sua extensão o seu saber, a sua filosofia, a sua Arte.
" Em Karaté - afirmava o Mestre - não se pode atingir o espírito sem primeiro se passar pelo corpo, ou vencer um adversário sem primeiro se vencer a si próprio. É preciso despir o corpo de resistência, modelá-lo, formá-lo. É preciso evitar a facilidade e procurar na dificuldade, ir além dos seus limites."
Formava o aluno na sua totalidade em corpo e espírito, no encontro da Harmonia, do silêncio e da Eficácia, procurando afirmar esta via de conduta como um código de vida.
Com capacidade de liderança inata, orientava os seus discípulos inculcando normas de organização e estruturação, incentivando e apoiando a abertura de novos Dojos, com controlo apertado do perfil dos responsáveis a nível técnico e humano e da sua evolução.
Promove a constituição de Associações em diferentes países da Europa, sendo sempre sua primeira preocupação a implementação do Espírito de Grupo de que ele constitui o primeiro exemplo.
Por inúmeras vezes se esqueceu dos honorários, aceitando com naturalidade e humildade condições para outros indiscutíveis, procurando acima de tudo manter o contacto com os alunos e destes entre si.
Em Portugal ele é o pilar na criação da Associação Shotokai de Portugal, da sua estabilização e consolidação, através de uma gestão acertada dos conflitos internos, com um espírito crítico e de justiça, hoje perfeitamente confirmados com a unidade estabelecida, com o regresso de antigos dissidentes.
Como homem, fomo-lo conhecendo com o decorrer dos anos, mais intimamente
- na sua intensidade e simplicidade
- na sensibilidade e emotividade
- na cultura, nas suas paixões pela Natureza, pelos animais, pela música...
- no seu apêgo à família a aos amigos
Conhecêmo-lo na palavra sábia e de conforto em situações de desespero, em presença serena junto de discípulos que sofriam.
- Vimo-lo perante a doença ainda não afirmada, mas para a qual o alertavamos
- Vimos a sua tristeza, apercebemo-nos da dor não assumida
- Avaliamos a sua força, acompanhando os alunos, na sua última viagem ao Japão, à rebelia de médicos e amigos; e
mesmo aí, até ao último momento, manteve a sua imagem, agarrado ao cachimbo que já não utlizava.
Este foi o Homem e a sua obra.
Este é o Mestre, insubstituível, que formou ESCOLA, na qual continua vivo sussurrando como sempre...
PLUS BAS...
PLUS LOIN.
Porto, 15 de Novembro de 1997
(Texto de Fernando Sarmento apresentado na comemoração do X Aniversário do falecimento do Mestre Tetsuji Murakami)
Celebramos publicamente um Homem que pela sua personalidade e obra foi e é para nós o Mestre - O Mestre Murakami.
Pediram-me algumas palavras, o meu testemunho, o que poderia constituir um dever indeclinável. Mas tal não o sinto e embora honrado pelo convite, tenho à partida de dar a razão do meu estar aqui.
E a explicação é simples e linear:
- não cumpro um dever (embora seja respeitador de deveres e do seu cumprimento, retiro satisfação);
- estou aqui porque não podia deixar de estar, quando fazemos presente O Mestre;
- estou aqui porque não podia deixar de estar, quando tive a ventura de acompanhar o Mestre desde o início do seu
trabalho em Portugal:
* ora como principiante entusiasmado e profundamente tocado pela aura do Mestre,
* quer como praticante e responsável graduado, que no longo percurso dos anos, cresceu na sombra do Mestre ou
às vezes a seu lado , como aluno, como colaborador e amigo, não raras vezes confidente, algumas vezes seu
interlocutor dissidente.
Uma vida de exemplo, não pode ser diminuida pela seriação de factos, de cronologias, de distinções; essa seria a vida falsa, que se acaba, como dizia Fernando Pessoa, por se meter num caixão. A outra vida, a verdadeira, é aquela em que cada um é o que é - é a vida vivida.
Hoje sei que é com a Morte que se aprende a Vida.
Estou aqui porque fui favorecido no inimaginável do acaso, pela lição de vida que recebi.
- é essa que devo aos que atrás de mim vieram e a quem ma legou. Não posso ser ingrato, nem apropriar-me do que não me pertence, mas que é de todos nós.
Tetsuji Murakami era um homem com aura, que desde os primeiros momentos de contacto se impunha
- com a sua presença subtil mas forte,
- com a delicadeza, despida de maneirismos,
- pela simplicidade e serenidade confrontadas com a profundidade e agudeza do olhar,
- pela leveza do estar,
- pelo despreendimento natural num tom de elegância, afirmativo num todo de Harmonia e do seu ser em Paz,
- sem palavras, apenas olhando, impunha, nesse primeiro contacto, um sentimento de respeito, de distância, que a
curto prazo cediam passo a respeito e admiração.
Assim o senti há muitos anos atrás, aquando do primeiro estágio na Região Norte, no ano de 1971.
Então, ficava maravilhado com a magia da técnica, com os ensinamentos, com a exigência, conduzindo os alunos, mesmo os principiantes, como eu era, até objectivos não esperados, numa mistura de técnica e filosofia, abrindo o mundo inacessível de nós próprios.
Duro no treino físico, exigia rigor de execução técnica, lealdade nos ataques e defesas, concentração e domínio do corpo pela força da vontade, apelando a uma energia interior para todos nós até então desconhecida; hoje achamos caricato que outros a não sintam ou ignorem.
Num todo, o Mestre, soube viver a vida na extensão que lhe coube:
- na Filosofia e na Arte,
- na Amizade e no Amor,
- como Profissional, Técnico,
- como Líder, Gestor,
- como Homem,
- como Mestre.
E todas estas facetas se juntaram sem ressaltos, sem roturas, em harmonia, num homem de personalidade ímpar, com a simplicidade e a profundidade de um sabedor, com a força e a exigência de um lutador.
Como profissional constitui um exemplo de técnico exímio, perfeito
- em qualidade,
- em leveza,
- em mobilidade,
- em rigor,
- em serenidade e honestidade,
- em exigência,
- em EFICÁCIA.
Mas esta era a parte visível do espírito indisível, da alma do Homem.
A sua magia a sua Arte era essa.
Era a transmissão da força do espírito, desse inderterminável para além do corpo, que transcendia a técnica embora a abarcasse, semeando silêncio e encantamento em quem com ele aprendia e trabalhava ou simplesmente o observava.
Era a interrogação suspensa de tudo quanto nos rodeava, num desmoronar do material, numa descoberta de interioridade, de Paz.
E daqui se entende a sua dimensão como pedagogo, transmitindo em toda a sua extensão o seu saber, a sua filosofia, a sua Arte.
" Em Karaté - afirmava o Mestre - não se pode atingir o espírito sem primeiro se passar pelo corpo, ou vencer um adversário sem primeiro se vencer a si próprio. É preciso despir o corpo de resistência, modelá-lo, formá-lo. É preciso evitar a facilidade e procurar na dificuldade, ir além dos seus limites."
Formava o aluno na sua totalidade em corpo e espírito, no encontro da Harmonia, do silêncio e da Eficácia, procurando afirmar esta via de conduta como um código de vida.
Com capacidade de liderança inata, orientava os seus discípulos inculcando normas de organização e estruturação, incentivando e apoiando a abertura de novos Dojos, com controlo apertado do perfil dos responsáveis a nível técnico e humano e da sua evolução.
Promove a constituição de Associações em diferentes países da Europa, sendo sempre sua primeira preocupação a implementação do Espírito de Grupo de que ele constitui o primeiro exemplo.
Por inúmeras vezes se esqueceu dos honorários, aceitando com naturalidade e humildade condições para outros indiscutíveis, procurando acima de tudo manter o contacto com os alunos e destes entre si.
Em Portugal ele é o pilar na criação da Associação Shotokai de Portugal, da sua estabilização e consolidação, através de uma gestão acertada dos conflitos internos, com um espírito crítico e de justiça, hoje perfeitamente confirmados com a unidade estabelecida, com o regresso de antigos dissidentes.
Como homem, fomo-lo conhecendo com o decorrer dos anos, mais intimamente
- na sua intensidade e simplicidade
- na sensibilidade e emotividade
- na cultura, nas suas paixões pela Natureza, pelos animais, pela música...
- no seu apêgo à família a aos amigos
Conhecêmo-lo na palavra sábia e de conforto em situações de desespero, em presença serena junto de discípulos que sofriam.
- Vimo-lo perante a doença ainda não afirmada, mas para a qual o alertavamos
- Vimos a sua tristeza, apercebemo-nos da dor não assumida
- Avaliamos a sua força, acompanhando os alunos, na sua última viagem ao Japão, à rebelia de médicos e amigos; e
mesmo aí, até ao último momento, manteve a sua imagem, agarrado ao cachimbo que já não utlizava.
Este foi o Homem e a sua obra.
Este é o Mestre, insubstituível, que formou ESCOLA, na qual continua vivo sussurrando como sempre...
PLUS BAS...
PLUS LOIN.
Porto, 15 de Novembro de 1997
(Texto de Fernando Sarmento apresentado na comemoração do X Aniversário do falecimento do Mestre Tetsuji Murakami)